A moeda do Sol
Texto: Mário Castrim
Ilustrações: João Caetano
Editora: Campo das Letras
Mário Castrim, que muitos reconhecem apenas como talentoso crítico de televisão, deixou-nos também um importante legado de textos dedicados à infância. Parte deles, em poesia, foram agora coligidos pela Campo das Letras com o título genérico A moeda do Sol e acompanhados de ilustrações de João Caetano.
São textos essenciais que devem fazer parte da biblioteca de qualquer professor do 1º ciclo, dada a sua importância numa área em que são escassos os autores portugueses a escrever com qualidade: a poesia para crianças. Mas atenção: fazer parte da biblioteca pessoal não significa que devam usar e abusar destes textos antes de criarem nos vossos alunos uma competência para a leitura de poesia, que terá vantagens em começar pelas lengalengas e trava-línguas, prosseguindo com autores mais “fáceis”, onde a musicalidade é mais evidente e as imagens (muitas vezes pela hipérbole ou pelo absurdo) mais assimiláveis, como são os casos de Luísa Ducla Soares ou algum António Torrado, por exemplo.
Como acontece com toda a boa poesia, querer impingi-la a quem não está preparado para a entender resultará em perder leitores em vez de os ganhar.
“Ao fim da tarde / uma rodela de sol / ficou na ponta da pedra mais alta. // Lancei-me a correr / a ver se apanhava / a moeda de ouro. // Mas quando lá cheguei / já a noite a tinha guardado no bolso do capote / para comprar / o dia seguinte.”
Este é o poema que dá título ao livro. Esta é a linguagem de Castrim. A riqueza semântica é imensa. Mas certifiquem-se primeiro que todos os meninos já viveram (reparem no verbo: não é viram, é viveram) toda a intensidade poética de um pôr-do-sol. Do talento de João Caetano falam os livros que tem assinado como ilustrador. O presente caso é uma autêntica viagem, plasticamente fascinante, um outro livro de poemas dentro deste livro.
Porém, há aqui uma falha grave, infelizmente recorrente nos dias de hoje: sendo antes de mais um livro de poemas para crianças, a opção pela sobreposição dos textos às ilustrações, quase sempre com texturas muito intensas, provoca grandes dificuldades de leitura.
Eu próprio, leitor compulsivo, me vi bastas vezes entediado com a dificuldade de entender os signos que tanto me agradam. O que dizer, então, de uma criança recém chegada ao fabuloso mundo da decifração da escrita, dando de caras com palavras desconhecidas, algumas nem sequer disponíveis no dicionário, que se confundem com a mancha de cor do fundo da página?
Voltamos ao mesmo: dar a quem está a tentar ser desperto para o prazer da poesia um livro que é penoso de ler resultará em perder leitores em vez de os ganhar. E é pena, porque A moeda do Sol é um texto de grande qualidade, acompanhado por ilustrações de qualidade (até poética) nada inferior, e publicado por uma editora que não se tem rendido à tentação de pôr nos escaparates livros para crianças de qualidade duvidosa e lucro fácil.
Nuno Garcia Lopes
Beijinhos
Márcia Azevedo
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